sexta-feira, 28 de junho de 2013

28 de junho de 2013 - Abra os olhos






Eu tentei te avisar. Todos tentaram. Pelo menos é o que eu acho. Mas você não ouviria. Você nunca ouvia, cara! Com sua mente sempre fugindo para refúgios distantes, onde só você podia adentrar, ficava difícil te mostrar, te dizer que havia uma enorme cilada à frente.

Era cilada, porra! Você não acordou. Preferiu levar a vida num misto de narcolepsia e sonambulismo. De jeitos diferentes, por motivos distintos e, cada vez mais.

Uma verdadeira sinuca de bico. Nascimento como uma sentença de morte e um caminho absurdamente sinuoso a percorrer. E você dormia. Enquanto o tempo passava, você ganhava consciência do contexto em que estava, mas acreditava que fazendo a jogada certa, que bailando desacordado em meio às pessoas, você conseguiria vencer. Conseguiria partir sem ter feito muito, sem ter muito a perder. Era uma bela estratégia:  adiar a vida em sono, até o dia em que não mais acordasse.

Era louvável, meu amigo! Mas, olha pra você agora! Quem te vê, enxerga na sua face a representação do fracasso. Sucesso, fracasso, essas coisas são transitórias, são limitadas. Se não fossem tantas as pessoas ao seu redor, talvez, isso sequer  te importasse. E, lembra? Você nunca se deu muito bem com essas pessoas, porém, ainda assim, elas estão pesando na tua balança, e teu fracasso... teu “você”, te doem na carne e na alma.

Você, hoje, tão orgulhoso do “seu” ateísmo, devora insanamente, o pão que o diabo amassou. Desesperado, o plano não deu certo. Se assusta com tanta gente melhor, superior, tanta gente de verdade. Com tantos caminhos a seguir, preferiu não seguir caminho algum. Agora tá velho, e há um exército de gente mais nova, fazendo as coisas que você mais quis, muito melhor do que você jamais conseguirá.

Jogado para fora do teu leito, socado nos dentes e no estômago pela vida. A luz solar cega teus olhos e queima a tua pele. Ela, a vida, te conclama... melhor, te força, a irremediavelmente atrofiado e incapaz, agir, levantar-se do chão e caminhar desperto, até o fim dos seus dias. Já não dá para adiar.

Eu lamento. Quem dera, você tivesse escutado.






sexta-feira, 21 de junho de 2013

21 de junho de 2013 - Meu amigo Charlie Brown



O país está em ebulição. Ou pelo menos parte dele. Muito disso me parece estranho e eu prefiro me manter distante. Se você se mantém distante, é visto como vilão, se você se atira de peito aberto e olhos fechados numa causa,  pode ser vilão também. O tambor gira, a arma vai disparar, a bala vai atravessar, quente, a cabeça de alguém. O melhor que dá pra fazer é ponderar as chances, escolher um lado e torcer por um acerto.

Eu vi tudo acontecer e muito estranhei. Tracei uma linha de pensamento e decidi segui-la. Vi que poderia ser útil divulgá-la. Tentei, fui rechaçado. Então me calei. Fui para o retiro tradicional do herói vencido, do herói poucas vezes vencedor. Hoje, vejo jornalistas conceituados que lançam textos na internet, com visões muito parecidas com a minha. Algumas mais agudas até. Vistas como teorias da conspiração por alguns. Pelo menos ganhei algum respaldo. Sempre digo que quando um autor famoso escreve algo que você já sabia há muito, aquilo parece tornar-se válido. Não deveria ser assim, mas a vida está longe de ser um modelo de perfeição.

Prefiro continuar calado. Prefiro continuar quieto. Quieto mas atento, e aguardando pelo momento ideal para mostrar minhas intenções quanto ao país. Pronto para fazer valer minha vontade nas urnas. Que me desculpem os que enxergam os fatos de outra forma, mas eu sei quando calar e quando falar, e o que me parece, é que muitos quiseram falar, mas poucos sabiam o que dizer. Acabaram falando sem saber, algumas verdades fabricadas.

Todo mundo vai falar dos protestos, da sua “beleza”, da sua “lisura”... eu vou procurar outro tema. Cá, com minhas limitações, procuro espaços abertos, procuro um espaço onde tenha tempo e calma para mostrar o que eu sei(até que alguém me desminta).

Vou falar de mim, do que ainda lembro. De tardes de domingo, sentado no sofá, em frente à televisão, assistindo um programa qualquer. Das reuniões familiares, quase em meio à rua em que morava, onde as famílias se juntavam em torno de mesas, comiam petiscos, bebiam cerveja e ouviam música(em alto volume).

Ah, a música! Ela era o marco máximo destes tempos. Se algo daquela época ficou claro na minha mente, foi a canção que simbolizava quase integralmente aqueles momentos: “Charlie Brown”, de Benito de Paula.
Domingo após domingo, a dada altura da tarde, o hino dessas confraternizações era executado.  A “amizade” que unia meus vizinhos, resumida numa canção... propagava-se pela rua o refrão, “Eh! Meu amigo Charlie! Eh! Meu amigo Charlie Brown!”. E nos domingos, todos eram amigos íntimos. Todos eram amigos do Charlie Brown, e eu, dentro de casa, passando mais um domingo com a minha família, também me permitia pensar ser amigo dele.

E quem era o Charlie?

Vim descobrir,  realmente, algum tempo depois. O Charlie era um cara simpático e incompreendido. Era ovelha negra, não da família, mas do mundo e ainda assim, continuava lá, simples, esperançoso, motivado.

Criei vínculo com aquilo. Era mais que um personagem. Era uma identificação quase absoluta. Como foi com Kevin Arnold, com Gregory House, Sherlock Holmes... eu crescia e me identificava muito mais com personagens do que com colegas, vizinhos, conhecidos... é, isso não soa como algo natural. Era a minha representação nas telinhas, nas páginas de jornal. Ele não existia, mas, quem se importava?

Ainda hoje me espanto com a maturidade existente nas histórias de Snoopy e sua turma. As vezes me pergunto se aquela crueza com que as vezes o mundo é mostrado, deveria estar presente numa animação infantil. Outras vezes, me pergunto o porque de todas as animações infantis não conterem aquele grau de sinceridade.

Charlie mantém lugar marcado na minha memória. As nostálgicas tardes de domingo e a canção que o citava, as diversas vezes em que, frente à vida, senti-me tentado a encará-la e dizer: “Prazer! me chamo Charlie”, a admiração por este cabeçudo de calvície absurdamente precoce... e querem saber de uma coisa? Se por um acaso esta figura estivesse caminhando por aí, lhe chamaria para tomar um refrigerante, conversar... deixar-lhe contar a sua história. Se eu pudesse, seria amigo do Charlie também. 






sábado, 15 de junho de 2013

15 de junho de 2013 - Ninguém é Peter Pan


  Os reflexos já não são os mesmos. A disposição, idem. Os hábitos vão esmaecendo, vão esfuziando e um dia, eles desaparecem.  A gente demora pra notar, mas o tempo passa e, quando se dá conta, cresceu tudo o que tinha pra crescer, tem nas costas a maioridade e tudo o que ela traz. Tem no rosto, barba e olheiras. Na mente, ideias novas e diferentes.

A gente não percebe. Tudo é tão alardeado e ainda assim, nos esquecemos, ou talvez tenhamos preferido não enxergar. No passar dos anos, uma revolução aconteceu e te fez “capaz de ser qualquer pessoa”, exceto o alguém que você era.

De repente, mas, não tão repentinamente assim, o desenho animado já não anima, os amigos são outros(se é que ainda os têm), a música favorita de outrora já não está na memória. São outras bandas, outros costumes, outras palavras, outras pessoas. Um corpo novo e uma nova vida. No fim das contas, o que restou, de fato, foi o nome e algumas das suas associações.

A disposição para acordar é ainda menor, as obrigações, maiores. A memória claudica, o corpo se fragiliza e o tempo, ele corre contra nós. A gente também sabe, mas ignora igualmente: daqui pra frente, não tem como esconder a ação do tempo. Não tem como ser você. Junte os trapos, as coisas aprendidas, as lembranças cada vez mais distantes e siga em frente.

Aprenda a tolerar. O trabalho indesejado, a companhia indesejada, a situação indesejada. Envelhecer, é aprender a tolerar. É resignar-se. Quando você se dá conta do que o tempo te fez... do que ele ainda há de fazer, a resignação é instantânea. Então, torça pra ter uma memória ruim. Em pouco tempo, vai esquecer de paixões, de quereres, de sonhos, desafetos, até as cenas de filmes, irão parecer sequencias de fotografias desbotadas, após algumas semanas.

Envelhecer, é o caminho natural. É aceitar, é relegar.

Quando paro e penso(situação cada vez mais incomum), percebo o quanto mudei. O quão complacente me tornei. O quanto anseio por assimilar o que me falta e me acoplar ao contexto que já se impregnou a mim, há tempos. O quanto anseio, quem diria, por mais e mais apatia.
Eu tô cada vez mais indiferente. Cada vez mais esquecido, cada vez mais sozinho. Nada poderia ser mais adequado. É a maturidade chegando. Nada disso é por acaso, isso é envelhecer. Eu tô ficando velho.

A vida não gosta de fantasias. Ninguém é Peter Pan.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

5 de junho de 2013 - Esperança


Eu nunca serei reconhecido como artista. Não que eu seja brilhante. Sou mediano, quando analisado com alguma boa vontade. Por outro lado, o que mais tem nesse mundo, é gente medíocre. São escritores medíocres, cantores medíocres, pintores medíocres, atores medíocres. O mundo é medíocre. A excelência é rara. É rara e fugaz. É difícil atingir um nível alto e é impossível mantê-lo. A perfeição é desumana.

Gente mediana aclama gente mediana, e quando nos damos conta, fazemos de deuses eternos os mais reles mortais. Nós escolhemos ícones em nosso próprio meio, os colocamos sobre tronos e os carregamos sobre nossos ombros.  Os nossos deuses imperfeitos, de carne, pele, ossos e sangue. Assim funciona a sociedade, não poderia ser diferente.

Eu sou um tipo esforçado. Não em termos gerais. Em termos gerais, sou uma vergonha para a sociedade, mas algo na arte me move. Eu gosto de fazer arte. Posso não ter sido agraciado com o dom do brilhantismo, mas a despeito dos tombos que levei no caminho, continuo sendo alguém que relaciona-se com a arte da forma mais tenaz possível. Ela torna-me alguém esforçado enquanto tento materializá-la.

Não, não serei reconhecido como artista. Nunca fui. Os apupos e a indiferença sempre foram superiores à aclamação. Sempre foram superiores à aclamação num mundo onde homens medíocres podem ter as suas coroas e mantos, podem ter toda a glória cabível a um homem. Homens medíocres como eu. Profissionais medíocres como eu.

Não espero a glória de salões iluminados, repletos de gente, preenchidos com a alta sociedade. Não espero a imortalidade, o clichê de quem parte, mas tem a vida perpetuada na mente de quem lembra de sua obra(como se isso fosse fazê-lo menos morto). Espero o tapinha nas costas, o cafuné e a congratulação pelo ” trabalho bem feito”. Mas, estes não vêm. Eles se foram no último vagão do trem que acabou de partir, e eu cheguei atrasado na estação, como quem corre na contramão do tempo.

A todas as almas errantes que um dia vagaram por este mundo, tentando criar a sua própria obra, sempre houve a opção da morte. A morte é a redenção do homem. Ela nos amedronta e nos faz santificar o nosso mais ferrenho rival, se necessário. Sim, a morte fez muito pelos artistas desprezados. Ela faz muito por todos nós, cobrando um preço muito alto, e não nos permitindo ver a glória obtida, vinda de mentes amedrontadas que temem ser as próximas a partir.

No auge da minha “animação” noturna, compreendo que talvez seja a morte, a única via de ter o meu trabalho reconhecido de alguma forma. De ser reconhecido de alguma forma. Não como um nome internacionalmente lembrado, mas, como alguém que terá os seus textos lidos, agora que eles já não serão produzidos. Alguém que será ouvido, já que não mais irá cantar. Alguém que despertará curiosidade, que ficará na memória de alguns, quando já não puder receber os louros.

Foi com esse pensamento, que tive a noção exata do que é a esperança. É uma espécie de cheque pré-datado, ou nota promissória que a vida te dá, na falta do item desejado. Enquanto outros tem os tais itens, e talvez até mais... enquanto eles merecem tanto quanto você, ou talvez menos, você tem em mãos um pedaço de papel. Uma promessa que deverá ser debitada futuramente e, quem sabe, os fundos poderão cobrir o seu sonho.

A vida é certamente desleixada nesse ponto. Ela não tem saldo pra cobrir a maioria de nossas esperanças. As esperanças são cheques sem fundo.

sábado, 1 de junho de 2013

1 de junho de 2013 - Fantasia


Fantasia. A gente precisa. É indispensável. Por isso, entre fato e mito, é o mito que a gente publica, compra, lê e recorda por décadas.

A realidade é crua. Ela não fascina, ela não entretém. Ela cobra sem retribuir, ela pede mas não oferece, ela quer mas não divide, ela toma sem jamais dar. Ela é uma vadia desalmada que te deixa na sarjeta. Mas, ela está ali. Ela está no seu encalço e te acompanhará até o fim.

A fantasia é contraponto. Equilibra a balança. Enquanto a outra é o tapa na cara sem luva de pelica, essa é o afago ao guerreiro abatido. Essa entra em sintonia com todo sonho e desejo, essa é a manifestação do impossível e, nossa maior paixão é justamente o impossível.

Pelo impossível, qualquer canção, qualquer série, qualquer novela, qualquer livro, qualquer história. Toda fantasia é bem vinda, toda fantasia é amiga, se ela se ajusta a um anseio.

E por ela vale tudo. Nela, cabe tudo: do cachorro que anda em apenas duas patas e cria um pássaro, à família que vive à frente do tempo atual há muito. Se a recompensa nos compensa no final, aceitar o crime, até que vale a pena.

E a gente aceita. É o flerte entre o prazer e a necessidade... dele resulta a tolerância. Não há falha no roteiro, não há incoerência. Se a gente simpatiza, toda a trama se fecha. E a gente acredita. Acredita e aceita. E se agrada, a gente engole até final feliz.